Francisco Carlos dos Santos Filho - Psicanalista
Para muitas pessoas existe um momento na vida em que o sofrimento psíquico se torna difícil de suportar, seja pelos sintomas que produz, seja pelo desejo daquele que sofre de ter uma vida mais produtiva, criativa e rica, mais feliz, enfim. São momentos difíceis, nos quais a capacidade para trabalhar e para realizar parece desaparecer, cedendo lugar ao desânimo e à fadiga, e quando as relações amorosas, por sua vez, resultam esvaziadas ou entediantes, comportando níveis de conflito e desentendimento que vão além do tolerável, dia após dia. A possibilidade de desfrutar da vida parece querer vergar sob o peso interminável do desprazer, desandar pela pressão da angústia e dos medos inibidores, da sensação de desamparo e pânico ou do desgosto consigo mesmo. O tempo se arrasta e torna-se difícil encontrar sentido e valor naquilo que se faz.
A infinidade de possibilidades para pensar no que fazer frente a tal estado de coisas, considerando que as pessoas são singulares e, portanto, diferentes entre si, conduz a um leque também infinito de procuras de solução: "cada um tem a própria receita de combater a desgraça". Quando, apesar dos esforços, as coisas continuam mal e a angústia oprimente e os sintomas prosseguem, quando a pessoa que existe por detrás deles não se sinta para nada, intimamente, realizada consigo, surge a ideia, então, de "fazer uma terapia". Isso também envolve uma escolha, já que existem muitos tipos de terapia à disposição, desde tratamentos místicos, até tratamentos científicos, e, dentre esses, tratamentos sugestivos, persuasivos, e a psicanálise.
A psicanálise foi a primeira forma racional de tratamento psíquico, descoberta por Sigmund Freud por volta do ano de 1900, depois de mais de 10 anos de trabalho, pesquisas e desilusões com as práticas sugestivas. Ela se destaca das demais terapias exatamente por não se interessar em convencer o paciente da inadequação de seus sintomas, do absurdo de seus pensamentos, ou da desproporção de sua angústia.
A psicanálise se interessa em compreender, junto com a pessoa, porque ela necessita daquilo e o tanto que está implicada na produção das coisas que se passam em sua vida. Psicanálise é um método de investigação de processos mentais dos quais não temos consciência, uma forma de revelar o inconsciente e suas relações com os comportamentos e modos de ser que levam ao sofrimento psíquico. Isso pressupõe uma disposição da pessoa que sofre em realizar essa busca de si mesmo, remexer os guardados a fim de enxergar um pouco de luz nessa escuridão em que se encontra metido. Não pode haver, portanto, pressa e nem preocupação excessiva com os sintomas: eles são o resultado dos conflitos internos que não compreendemos e irão desaparecer tão logo algum grau de compreensão seja alcançado.
Freud comparava os tipos de tratamentos com os modos pelos quais se produz a arte; Leonardo da Vinci dizia que a arte poderia se fazer "per via di porre" ou "per via di levare". Fazer uma análise, portanto, implica em existência de sofrimento, de dor psíquica; também implica num compromisso da pessoa consigo mesma, de ir além do que sua vista lhe oferece para entender como está produzindo dentro de si esse sofrimento, mesmo que isso lhe custe algum sacrifício. Fazer uma análise é de haver-se com a verdade de sua história e dos arranjos utilizados para viver, num processo que, além de ser árduo, desenvolve também o prazer de descobrir, restituindo a possibilidade de amar e de trabalhar.